Estudo sobre a Reencarnação ou as Vidas Sucessivas

Capítulo Segundo




O valor científico desta doutrina não é menos considerável do que o seu valor moral e social. Com efeito, incitando-nos a procurar as provas experimentais que lhe servem de apoio, ela nos coloca em presença dos aspectos mais profundos e mais ignorados da natureza humana.


Pelo que me concerne pessoalmente, já pude colher algumas provas de minhas vidas anteriores. Consistem essas provas diferentes, por meio de médiuns que se não conheciam e que jamais tiveram relação entre si. Tais revelações são concordes e idênticas. Além disso, logrei verificar-lhes a exatidão pela introspecção, isto é, por um estudo analítico e atento do meu caráter e da minha natureza psíquica.


Este exame me fez descobrir, muito acentuados em mim, os dois principais tipos de homem que realizei no curso das idades e que dominam todo o meu passado: o monge estudioso e o guerreiro. Ser-me-ia possível ajuntar numerosas impressões e sensações que me permitiram reconhecer, nesta vida, seres já encontrados anteriormente.


Creio que muitos homens, observando-se com atenção, conseguiriam constituir seu passado pré-natalício, senão nas minúcias, pelo menos nas grandes linhas.


Mas é sobretudo pela hipnose, pelo transe, pelo desprendimento da alma que o passado pode ressurgir e reviver. Fiz com muitos pacientes experiências nesse sentido. Adormecidos, quer por mim, quer por Entidades invisíveis, eles reproduziam cenas de suas existências precedentes, cenas pungentes ou trágicas, que nenhum teria podido ou sabido inventar, por muitas razões. Algumas particularidades dessas vidas se puderam examinar e foram reconhecidas como verdadeiras. Infelizmente, a natureza toda íntima dos fatos não me consente entregá-los à publicidade.


O coronel de Rochas fez, seguindo a mesma ordem de estudos, experiências que relatei e resumi em meu livro O Problema do Ser, do Destino e da Dor, cap. XIV. Acrescentei-lhes outros testemunhos provindos dos príncipes Galitzin e Wiszniewsky, além de muitos experimentadores espanhóis.


Em resumo, todos esses fatos demonstram que a nossa personalidade é muito mais ampla do que até hoje se acreditou. Nossa consciência e nossa memória têm profundezas que se conservam mudas enquanto nos achamos despertos, mas que, no sono hipnótico e no estado de desprendimento, se revelam e entram em ação. Aí repousa um mundo de conhecimentos, de lembranças, de impressões acumuladas por nossas vidas antecedentes e que o véu da carne ocultou ao renascermos. É a isso que alguns experimentadores e críticos chamam consciência subliminal, subconsciência superior ou o Ser subconsciente. Na realidade, não há aí mais do que um estado do ser que constitui a consciência integral, a plenitude do eu. Quanto mais profundo é o sono, mais o desprendimento da alma se acentua e as camadas veladas da memória começam a vibrar: o passado ressuscita e revive. O ser pode então recompor as cenas longínquas, os quadros da sua própria história. Essa ordem de pesquisas constitui uma psicologia nova e amplificada, cujo estudo atento, junto a uma observação rigorosa, revolucionará a ciência da alma e ocasionará uma renovação completa da filosofia e da religião.


Às experiências indicadas acima convém acrescentar as reminiscências de homens e de crianças. Grande número de casos desses citei em O Problema do Ser, cap. XV. Poderia aditar os de muitas crianças se lembrarem de suas vidas anteriores, casos que não se explicam nem pela imaginação, nem pela influência do meio, porquanto os pais, na sua maioria, são hostis à idéia de reencarnação. Semelhantes fenômenos desaparecem com o crescimento, quando a consciência profunda, de alguma forma sepultada sob o invólucro carnal, deixa de vibrar. As reminiscências de homens célebres se explicam pelo grau de evolução e o apuramento dos sentidos psíquicos.


A esses casos acrescentarei um, citado pelo Sr. H. Varigny, no folhetim científico do Journal des Débats, de 11 de abril de 1912:


“Segundo um autor que muito conviveu com os Birmans e os estimulou, consagrando-lhes um livro de grande interesse, o Sr. Fielding Hall relatou o fato seguinte, que não é mais do que unum et pluribus. Entre os Birmans, encontrar-se-iam freqüentemente crianças que se recordavam de vidas anteriores. Infelizmente essa lembrança se apaga e desaparece com a idade.


Cinqüenta anos antes, duas crianças, um menino e uma menina, nasceram no mesmo dia e na mesma aldeia. Para abreviar: casaram-se e morreram na mesma data, depois de terem fundado uma família e praticado todas as virtudes.


Sobrevieram dias agitados, diz a história, cuja lembrança, entretanto, pouca utilidade tem para esta narrativa. Basta dizer-se que dois jovens de sexos diferentes foram obrigados a fugir da aldeia, onde o primeiro episódio se passara, e foram estabelecer-se alhures. Tiveram dois filhos gêmeos. Aqui começa o segundo episódio.


Os dois gêmeos, em lugar de se tratarem pelos respectivos nomes, se designavam pelos nomes (muito semelhantes) do casal virtuoso que morrera; por conseguinte, uma das crianças dava a outra um nome feminino.


Os pais se admiraram disso um pouco, porém logo compreenderam o que havia. Para eles o casal virtuoso se reencarnara nos meninos. Quiseram tirar a prova. Levaram ambos à aldeia onde tinham nascido. Reconheceram tudo: estradas, casas, pessoas, até as roupas do casal, conservadas sem que se saiba por que razão. Um se lembrou de haver emprestado certa soma a determinada pessoa, que ainda vivia e confirmou o fato.


Ao Sr. Fielding Hall, que viu os dois meninos quando tinham seis anos, parecia que um apresentava aspecto um tanto feminil: era o que abrigava a alma da mulher defunta. Antes da reencarnação, viveram, dizem os dois, algum tempo sem corpo, nos galhos das árvores, mas suas reminiscências se vão tornando cada vez menos nítidas e se apagam: as da vida anterior, naturalmente.26